Para o cidadão que não vive no meio Jurídico e não conhece o dia a dia da justiça brasileira, parece difícil acreditar que processos se arrastam por ANOS enquanto aquele cliente que foi preso por tráfico de drogas, fica preso sem que seu processo tenha sequer finalizado.
Vamos lá: princípio da inocência diz que o cidadão é inocente até que se prove o contrário. Está na CF/88. Mas existe uma coisa chamada "prisão preventiva" que autoriza o juiz a encarcerar o cidadão antes que tenha uma sentença definitiva transitada em julgado (que não cabe mais recurso).
Claro que a prisão preventiva deve preencher os requisitos legais que estão no Código de Processo Penal mas eu não vou encher a sua cabeça com isso.
Claro também que a prisão preventiva é um artifício legal e que deve ser usado pois em alguns casos o cidadão oferece tanto risco para a sociedade que o melhor é ele ir para o xilindró mesmo para parar de fazer fuzarca.
Mas o que não cansa de me surpreender, contudo, é o número de prisões preventivas que passam pela minha mesa, que não possuem qualquer lastro e que precisam chegar até o STJ para que o cidadão finalmente seja colocado em liberdade para aguardar a tramitação do seu processo.
Lendo as notícias jurídicas, me deparo com uma no Conjur sobre o HC 785.737 onde o STJ soltou o cidadão que estava preso preventivamente há mais de três anos. Veja, o cidadão passou TRÊS anos preso enquanto o processo nem teve sentença.
O crime? Tráfico de drogas. A quantidade? 18 gramas de cocaína, 20 gramas de crack e 32 gramas de maconha. Usuário ou não, com essa quantidade está longe de ser um traficante "peixe grande", certo? Nem pra sardinha esse camarada está. Tudo bem que pelo que vi no processo ele já tinha diversas passagens e não era nenhum santo..
O fato determinante aqui é que o cidadão estava aguardando o resultado da perícia para comprovação de sua dependência química há mais de 1 ano. Vamos refrasear: o processo está demorando por causa de uma perícia que está sendo feita pelo próprio Estado que também é aquele que julga.
E ninguém pode ficar preso indefinidamente quando fica demonstrado que o Estado é quem está causando a demora na tramitação do processo.
Veja trecho da decisão:
Impende destacar que, conforme se extrai de consulta realizada no site do Tribunal de origem em 25/11/2022, o paciente, preso desde 6/12/2019, aguarda conclusão de perícia para atestar sua dependência química em procedimento instaurado em 09/08/2021, há 1 ano e 3 meses (0006305- 92.2021.8.26.0477 - Carta Precatória Criminal - Realização de Perícia), pontuando o magistrado de origem, em decisão proferida em 10/11/2022, a inércia injustificada do instituto responsável pela realização da prova (...)
Nesse contexto, havendo prolongamento injustificado do prazo de cumprimento do incidente, não atribuível à defesa, e à míngua de fundamentos concretos aptos a justificar o risco à ordem pública – repita-se, sobretudo face à pequena quantidade de entorpecente apreendido, 18g de cocaína, 20g de crack e 32g de maconha –, impõe-se a concessão da ordem para soltura do paciente, mitigando-se o enunciado da Súmula 691 do STF.
Acertadíssima a decisão. Como trabalho com advogados no Brasil inteiro, estou cansada de ver HC sendo impetrados com o mesmo fundamento e serem concedidos só no STJ, já que as instâncias inferiores teimam em manter o cidadão encarcerado mesmo tendo plena ciência do fato de que - na grande maioria dos casos - é o próprio Estado o grande responsável pela demora.
Ainda que o processo não tenha prazo para acabar, em casos onde existe réu preso preventivamente cabe ao Judiciário apertar o passo sob pena de levar tinta do STJ.
E se você torceu o nariz para essa postagem por ser daqueles(as) que acredita que bandido bom é bandido morto (eca), lembre-se que o direito é para todos. O cumprimento das disposições legais é uma garantia para toda a sociedade, inclusive você, alecrim dourado!
Fonte: Conjur
Leia a íntegra da decisão AQUI