Falo, repito, digo novamente. Direitos não são absolutos. Direito de expressão, direito de ir e vir, direito de porte de arma legalmente obtido. A lista continua.
Ao se expressar você não pode causar danos aos coleguinhas ou fazer apologia ao crime. Se o fizer corre risco de levar processo de indenização no primeiro caso e processo criminal no segundo. Você tem o direito de ir e vir, mas não pode ir entrando em qualquer lugar que queira sem estar autorizado. Se o fizer, pode ser conduzido para fora do local pelos seguranças ou pela polícia. E claro, você tem o direito de portar a sua arma se está legalmente autorizado a isso, mas não sem obedecer as regras que limitam esse direito.
Resumindo: para cada direito existe uma limitação correspondente. A Deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) foi lembrada disso da pior forma.
Primeiramente deixo aqui consignado que esta postagem trata-se de artigo de opinião e o que discuto aqui é a questão jurídica. Sigo firme da conduta que tenho desde 2006 nos idos da criação do blog/site de me manter neutra quanto a posições políticas e religiosas. O que, contudo, me causa espanto e não posso deixar de dizer é que uma deputada federal, que teoricamente é responsável por criar e votar leis, não tenha conhecimento da norma que rege um direito do qual usa e o qual sempre defendeu.
O Ministro Gilmar Mendes do STF suspendeu no dia 20/12 (terça-feira) o porte de armas da deputada. A parlamentar tem o prazo de 48 horas para entregar todos os armamentos que possui na superintendência da Polícia Federal de São Paulo ou do Distrito Federal.
A medida cautelar foi requerida pela vice-procuradora-geral da República em razão das investigações do episódio onde a deputada teria sacado uma arma para apontar para um homem que foi perseguido na região dos Jardins em São Paulo, às vésperas do segundo turno das eleições.
Um trechinho do relatório da Medida Cautelar traz um resumo da petição apresentada pela vice-procuradora-geral e os fundamentos do pedido apresentado:
“A Procuradoria-Geral da República realizou a oitiva da Deputada Federal, conforme mídia anexa, oportunidade em que a parlamentar relatou, em apertada síntese, que foi interceptada por apoiadores do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que teriam passado a ofendê-la com xingamentos e palavras de baixo calão, e dizendo que “amanhã é Lula”, circunstância que lhe fez sacar a arma de fogo e apontá-la em direção a LUAN ARAUJO em legítima defesa de sua honra.Em princípio, os ilícitos investigados caracterizam o crime de porte ilegal de arma de fogo, na medida em que a falta de iniciativa persecutória da provável vítima do delito previsto no artigo 147 do Código Penal impede o início da persecução penal por crime de ação penal pública condicionada à representação, nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo legal.Conquanto a autoridade com foro prerrogativa de foro tenha porte de arma de fogo para defesa pessoal, o artigo 20, caput, do Decreto nº 9.847/20193 não lhe autoriza o seu uso ostensivo, nem adentrar ou permanecer em locais públicos ou onde haja aglomeração de pessoas, circunstância indicativa de que o manejo da arma de fogo ocorreu em desacordo com as disposições regulamentares pertinentes."
Como se trata de uma decisão em medida cautelar, ela foi concedida em sede de cognição sumária, ou seja, sem que a outra parte tenha apresentado manifestação. Claro que com a intimação será aberto prazo para a deputada se manifestar e fazer as alegações de defesa.
Reputação do Gilmar Mendes à parte, foi uma decisão bem coesa. O regramento é expresso (art. 20, caput, do Decreto 9.847/2019)¹ e pela dinâmica narrada não estamos diante de um caso de legítima defesa. Se todo mundo que fosse 'xingado' ou ouvisse palavras de 'baixo calão' no trânsito, por exemplo, tivesse o direito de sacar de uma arma para legítima defesa de "sua honra", metade da população de São Paulo estaria morta ou atrás das grades.
Aliás, não custa lembrar que esse termo infeliz - "legítima defesa da honra" - era aquele que permitia que muitos maridos se safassem de condenações em casos de violência doméstica. Pegou a mulher traindo e desceu porrada nela. Lesão corporal? Tentativa de homicídio? Não. Legítima defesa da honra. Me arrepio só de lembrar disso.
Nesse ponto a vice-procuradora-geral lembrou bem em seu pedido que
"o Plenário do Supremo Tribunal Federal referendou a medida cautelar concedida na Arguição de Descumprimento Preceito Fundamental nº 779 MC-REF/DF4 para conferir interpretação conforme a Constituição aos artigos 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, de modo a excluir a defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa."
Depois de mais de 20 anos de advocacia e estudo do direito já vi muita expressão cair por terra. Já vi sucessivas reformas no nosso Código Penal (que é de 1940) e decisões do STF e STJ modulando as aberrações legais ainda existentes em códigos ultrapassados. Vi a vigência de um Código Civil de 1916 que trazia em seu artigo 6º a mulher casada como "relativamente incapaz" cair por terra com a evolução da sociedade e do Direito. Que a legítima defesa da honra permaneça sepultada nos mais fundos porões do Direito arcaico e não volte jamais!
Por fim, o Ministro até que foi bonzinho. A vice procuradora havia pedido a busca e apreensão das armas o que foi negado de forma igualmente coesa e em respeito aos princípios basilares de um Estado Democrático de Direito, conforme trecho da decisão do Ministro Gilmar Mendes que transcrevo abaixo:
"(...) entendo que a determinação de busca e apreensão (seja pessoal e/ou domiciliar) é medida invasiva e gravosa que pode ser postergada, por ora, uma vez que se afigura plausível a concessão do prazo de 48 (quarenta e oito) horas para a entrega voluntária junto à Delegacia da Polícia Federal, bem como é suficiente a ordem de suspensão da autorização para porte de arma diante das circunstâncias do caso concreto. Decorrido o prazo, sem atendimento voluntário, expeça-se mandado de busca e apreensão nos endereços da investigada
Todo direito tem um limite. Uma deputada federal deveria saber disso.
Fonte: Conjur
Leia a íntegra da decisão AQUI
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Art. 20. O titular de porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido nos termos do disposto no art. 10 da Lei nº 10.826, de 2003, não poderá conduzi-la ostensivamente ou com ela adentrar ou permanecer em locais públicos, tais como igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais onde haja aglomeração de pessoas em decorrência de eventos de qualquer natureza.
§ 1º A inobservância ao disposto neste artigo implicará na cassação do porte de arma de fogo e na apreensão da arma, pela autoridade competente, que adotará as medidas legais pertinentes.
§ 2º Aplica-se o disposto no § 1º na hipótese de o titular do porte de arma de fogo portar o armamento em estado de embriaguez ou sob o efeito de drogas ou medicamentos que provoquem alteração do desempenho intelectual ou motor.
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Art. 20. O titular de porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido nos termos do disposto no art. 10 da Lei nº 10.826, de 2003, não poderá conduzi-la ostensivamente ou com ela adentrar ou permanecer em locais públicos, tais como igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais onde haja aglomeração de pessoas em decorrência de eventos de qualquer natureza.
§ 1º A inobservância ao disposto neste artigo implicará na cassação do porte de arma de fogo e na apreensão da arma, pela autoridade competente, que adotará as medidas legais pertinentes.
§ 2º Aplica-se o disposto no § 1º na hipótese de o titular do porte de arma de fogo portar o armamento em estado de embriaguez ou sob o efeito de drogas ou medicamentos que provoquem alteração do desempenho intelectual ou motor.