Jane Elliott, uma educadora americana que já é figura bem conhecida na luta contra o preconceito, repete em seu documentário "Olhos azuis" uma frase de Vitor Hugo: "nada é mais poderoso que uma ideia que chegou no tempo certo". E a hora é chegada.
Não se pode mais admitir preconceito racial, ainda mais em um país como o Brasil onde temos um verdadeiro caldeirão de etnias e nacionalidades. Sou neta de italianos, espanhóis e africanos. Mostre-me um brasileiro e eu verei uma mistura de índios, negros, europeus, asiáticos.... e a lista continua.
É dever do Judiciário impor de forma exemplar a lei que proíbe esse tipo de conduta nefasta. Na decisão da 5ª Câmara de Direito Criminal o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou por unanimidade a condenação de uma mulher por injúria racial, fixando a pena em um ano e dois meses de serviços à comunidade e prestação pecuniária.
A denúncia narra que a acusada encontrou a vítima, que era conhecida e com a quem já havia se desentendido em outra ocasião, e passou a proferir ofensas racistas em uma via pública. Os xingamentos continuaram mesmo depois que a Polícia Militar chegou ao local.
Na frente do juiz a acusada alegou que as expressões utilizadas não tiveram conotação racista. Segundo ela a expressão "macaca velha" foi utilizada com significado de "pessoa esperta". Certamente essa foi a orientação do advogado para tentar sair da condenação (eu teria orientado da mesma forma, confesso). Mas o contexto em que foi dita a frase não tinha qualquer relação com essa interpretação e o Tribunal não se convenceu da tese:
De sua parte, a versão exculpatória de Marli, no sentido de que não ofendeu a vítima por elementos atinentes à cor, mas sim valeuse de expressão utilizada para qualificar pessoa “malandra” (sic), não convence e mostra-se inverossímil, diante do robusto conjunto probatório produzido em seu desfavor, só podendo ser entendida como tentativa de evitar a sua responsabilização penal.
Não é demais dizer que o delito de injúria racial trata-se de eficaz instrumento de combate a práticas discriminatórias e ofensivas à dignidade humana. E, no caso concreto, não houve apenas ofensas propaladas num contexto supostamente acalorado, como pretende fazer crer a apelante, pois a prova dos autos demonstra a vontade livre e consciente de Marli de ofender e menosprezar a vítima, em razão de sua cor e raça, tão somente porque Ana Paula passou defronte à residência da genitora da apelante, tanto que, na presença do policial militar Carlos Eduardo, Marli tornou a proferir insultos contra a vítima, inclusive afirmando que repetiria a expressão “macaca” (referindo-se a Ana Paula) quantas vezes mais desejasse fazê-lo. Logo, não há se cogitar em atipicidade da conduta.
Ao analisar a decisão onde consta a descrição da conduta posso dizer que também não me convenci da tese de defesa. Pelos depoimentos, a vítima estava andando na rua quando simplesmente foi interpelada pela acusada que a chamou 'de graça' de "macaca velha":
“... na época dos fatos trabalhava na limpeza de unidades escolares com a irmã da autora conhecia, e tinha contato esporádico com ela. Afirma que na data dos fatos estava transitando pela via pública quando foi ofendida moralmente pela autora, a qual lhe disse "o que você tá fazendo aqui? Sua macaca velha" (sic), na primeira ofensa não houve testemunhas dos fatos; que ficou indignada com a ofensa verbal e foi até o Policial Militar Vargas e explicou o que tinha ocorrido, então ele foi juntamente com a declarante até a autora, para que ela se retratasse, porém ela disse "xinguei mesmo e vou xingar quantas vezes for necessário, sua macaca velha" (sic).
Tais ofensas foram presenciadas pelo Policial Militar Vargas. Diante do exposto, deseja que providências sejam tomadas para punir a autora criminalmente pelo crime praticado contra sua pessoa” (sic fl. 20). Sob o crivo do contraditório, descreveu que, “na data dos fatos, voltava do posto de saúde e, ao passar defronte à residência da mãe da ré, esta saiu do interior do imóvel e a interpelou, questionando o que fazia ali e chamando-a de “macaca velha”. Estranhou a atitude da acusada e chegou a perguntar se ela falara consigo, ao que ela respondeu afirmativamente e repetiu o que dissera.
Acionou o policial militar Faria, que compareceu ao local e abordou a imputada, ocasião em que ela admitiu ter chamado a declarante de “macaca velha” e afirmou que assim a chamaria novamente, quantas vezes fossem necessárias. Crê que foi ofendida por motivo racial, por ser negra. Afirmou que essa foi a primeira vez que sofreu ofensa por parte da ré, que não deixou claro o motivo, dando a entender que não gostou que a declarante passou em frente à casa da genitora dela. Esclareceu que não possuía desentendimentos com a acusada, que já conhecia havia cerca de 12 anos. Já trabalhou com ela em uma escola e tinham relação normal. Também trabalhava com uma irmã da imputada na época dos fatos. Alegou desconhecer que a ré seja acometida por algum problema psicológico ou psiquiátrico”
A frase foi dita em um contexto que em nada se assemelhava a uma situação onde a expressão 'macaca velha' pudesse ser interpretada como 'velhaca' ou 'esperta'. Enfim, que ela aprenda com a condenação e não repita a bobagem.
É preciso parar com essa mentalidade de que tudo é 'mimimi'. Chamar o coleguinha de macaco tentando claramente menosprezar e rebaixar o outro não é piada. Não é aceitável. Nossa sociedade evoluiu e é preciso punir de forma exemplar esse tipo de conduta. Contar piadas racistas no almoço de família não pode ser considerado normal só porque dito no contexto privado. Cabe a cada um de nós criar a sociedade em que queremos viver.
A ideia de abolir o preconceito - seja ele qual for - chegou. E nada segura uma ideia quando a hora dela chega.
Para quem quiser ver o documentário da Jane (aconselho) lá vai:
E para quem quiser ler a íntegra da decisão do TJSP, clique AQUI