Esse assunto me dá preguiça.

Me dá preguiça exatamente por ser mulher.  Me dá preguiça por já ter vivido na pele zilhões de vezes com esse tipo de preconceito que está estruturalmente inserido na nossa sociedade. Por acreditar que esse tipo de preconceito já deveria ter sido extirpado do meio social, mas pelo visto ainda estamos longe disso.  Queimar sutiãs no Brasil ainda é necessário.

A Vara do Trabalho de Itapetinga (BA) afastou a justa causa aplicada contra uma operária demitida após ter sido abordada em um banheiro com o ex-namorado durante o expediente. A indústria alegava que os dois foram encontrados praticando atos sexuais e com base nisso a demitiu por justa causa, o que juridicamente afasta diversos direitos rescisórios do empregado.

Na versão da trabalhadora, ela teria ido até um pavilhão da indústria para conversar com um colega de trabalho sobre problemas em seu celular e não o encontrando utilizou-se do banheiro feminino.  Nisso seu ex-companheiro teria entrado na cabine, segurando a porte e pedindo que ela ficasse em silêncio.  Outras mulheres teriam entrado no banheiro e ela, assustada, permaneceu sem reação.

Momentos depois os seguranças – HOMENS - da empresa bateram na porta e a encontraram juntamente como ex.  Ambos estavam VESTIDOS e sem praticar ato libidinoso.  A forma como a abordagem ocorreu foi suficiente para que os boatos se espalhassem pela empresa e pela cidade, chegando inclusive aos ouvidos do atual companheiro da funcionária.

No dia seguinte a mulher foi sumariamente demitida por justa causa sem ter sequer direito de defesa. O boato, pra variar, foi parar nas redes sociais e nos grupos do ‘zapzap’.  E fez-se o inferno!

O juiz Antônio Souza Lemos Júnior utilizou o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional da Justiça (CNJ) e pontuou que o fato de a trabalhadora ter sido encontrada dentro de uma cabine do banheiro feminino com o seu ex não pode ser considerado incontinência de conduta, que seria um "ato de pornografia ou libidinoso".

Para ele, o fato não é sequer um ato irregular por parte da mulher, mas sim pelo seu ex-companheiro, que entrou em um banheiro destinado às mulheres. Em sua visão, a empresa desconsiderou por completo o peso da versão feminina, e não caberia à operadora provar que não estava praticando conduta ilegal, mas à companhia — o que não aconteceu.

O juiz declarou nula a justa causa. Além disso, o julgador lembrou que a trabalhadora foi abordada dentro do banheiro por seguranças do sexo masculino e que a situação tornou o fato perceptível por outros empregados, "o que incentivou a disseminação da notícia danosa". 

Na visão do juiz, a indústria acusou sem provas e contribuiu para a divulgação do boato pela falta de zelo na abordagem. "Essa situação foi amplamente divulgada na comunidade por meio de grupos de WhatsApp e de blogs de informação locais."  E com base em tal entendimento a empresa foi condenada a pagar uma indenização de 60 mil reais para a empregada.

E honestamente, pra mim foi é pouco! 

Não sei nessa história o que me deixa mais desanimada:  a conduta da empresa, que sem dar à funcionária qualquer tipo de direito de defesa simplesmente a demitiu por justa causa, tolhendo diversos direitos e promovendo uma abordagem completamente errada, ou o fato de que as redes sociais e grupos de ‘zapzap’ tornaram ainda maior o tormento da mulher.

O social sempre foi meio ‘doentinho’.  As execuções em praças públicas sempre foram um fetiche das aglomerações.  Mas as redes sociais e os aplicativos de mensagens abriram a caixa de pandora.  É uma câmara de ecos perigosa, que dá força a pensamentos que já deveriam ter sido abolidos e a fofocas que tomam proporções gigantescas da qual ninguém tem mais controle.

Tem muita coisa boa?  Tem.  

Mas fato é que nesse caso em específico as redes deram ao fato uma divulgação que tornou o calvário da mulher ainda pior do que já estava.  Não bastava se ver injustiçada no ambiente de trabalho, passou a ser notícia na cidade inteira. A fofoca, que sempre foi algo mesquinho e danoso, subiu de nível com as redes sociais e com os aplicativos de mensagem.  Fofoca nível hard megazord master plus. 

Me lembrou o caso do meme “já acabou, Jéssica” que fez a pobre da menina largar os estudos e amargar uma depressão.  Mas está tudo bem, porque o meme era legal e todo mundo riu.  Menos a Lara.  Mas quem liga para o que a Lara sente, não é mesmo?

Deus me livre do machismo.  Mas principalmente, Deus me livre da fofoca de internet.

 

Fonte:  Conjur